quinta-feira, 19 de maio de 2011

HISTÓRIAS DO RECIFE 2ª parte – Por Epitácio Nunes*

DAS RUAS PARA OS BARES E BOATES

Esses registros demonstram que a vida gay recifense passou a se consolidar no bairro da Boa Vista, ainda no final da década de setenta. Mais um informante, destaca o inicio da ebulição da vida noturna no bairro revelando a existência da “Boate de Homero” e a “Boate da Tia”, ambas instaladas no Edifício Novo Recife, que se localiza por trás do Cine São Luis. Eram pequenos espaços de socialização, pois que se configuravam praticamente como apartamentos residências onde se promoviam festas dançantes. Porém já existiam os shows de travestis famosas ou conhecidas, nos mesmos moldes de hoje em dia, dublando os clássicos sucessos das divas estrangeiras. Já um outro antigo morador do bairro, chama a atenção para os bares do local que também funcionavam como espaços de socialização entre os homossexuais. Alguns como o “HC”, o “Louco Amor” e o “Doce Vício” viviam constantemente lotados e eram frequentados por ativistas políticos, artistas e “entendidos”, tornando frequentes as “azarações” e os encontros homoafetivos. Contudo, ao que tudo indica, as pegações não se restringiam aos espaços privados, mas se estendiam a espaços públicos, como por exemplo, ao Parque 13 de Maio que é margeado de um lado pela histórica Faculdade de Direito do Recife, e de outro, pela Biblioteca Pública Central Presidente Castelo Branco. Esses três patrimônios públicos juntos formam o que se poderia chamar de maior espaço de socialização gay do Recife. Tanto que nos banheiros da biblioteca ou faculdade, as pegações e práticas sexuais entre homens se davam durante todo o dia. Nestes, segundo relatos, parece que questões relacionadas à idade, raça/etnia e classe social não se mostravam como demarcadores de diferenças tão significativos. Neste aspecto, um funcionário da biblioteca que trabalhava no horário da tarde relata que quando chegava sempre dava uma passada no banheiro para ver como estavam às coisas. Registra-se então que ao meio dia, o movimento aumentava muito com “homens de todo tipo - brancos, negros, altos, magros, senhores sérios, garotos que vinham das escolas, e até estrangeiros”. E para o narrador parecia engraçado observar o clima de nervosismo que pairava no ar, tanto que “aproveitava para escovar os dentes e sempre conseguia ver alguém de pau duro, esperando do lado de fora, enquanto alguém se masturbava dentro da cabine”. Por isso ele sempre escolhia a pia próxima a primeira cabine, porque dava para ver no reflexo no chão, os “membros eretos em movimentos mastubatórios”. Assim, parece que as estratégias e táticas adotas durante as pegações se diversificavam tanto quanto o perfil de seus praticantes, tanto que “alguns frequentadores, os mais afoitos, deixavam a porta entreaberta e as bichas fingiam que estavam na espera só pra ficar olhando o cara se masturbar”. E nestes momentos “algumas paravam mesmo, bem perto da porta e muitas vezes começavam a pegar no pau do cara, enquanto que outras até se baixavam para chupar”. Em meio a tantos relatos eróticos, ainda sobre as táticas adotas, o funcionário salienta: “Vi várias bichas dando o cu de joelhos nas bacias sanitárias para que ninguém de fora percebesse que tinham duas pessoas na cabine. Mas a gente percebia, porque ficava olhando o movimento das pernas do que estava comendo. Outras vezes, até se ouvia os gemidos quando eles gozavam. E também dava pra ver a gala pingando no chão”. Em outra passagem, deixa evidente a heterogeneidade que caracterizava os atores sociais envolvidos nas práticas sexuais: “Já vi garoto novo agarrado em cacete de negão bem mais velho, como também já vi negão tomar no cu como quem toma refrigerante. Quando as bichas tão na seca, não têm essa coisa diferença. Todo mundo dá ou come. Na hora do sexo não tem preconceito, o que importa é o prazer”. Já no Parque 13 de Maio, a pegação apresentava diferentes modalidades. Por ser um espaço aberto, e por isso mesmo mais exposto, os gays de plantão tendiam a se misturar aos transeuntes e visitantes. A paquera era o meio de chegada, e muitos ficavam parados em frente às jaulas dos animais (que na época eram muitos e das mais variadas espécies) e faziam sinais com os olhos, bocas ou movimentos corporais intencionais para deixar claro o interesse por determinado pretendente. Quando correspondidos, caminhavam separados até o banheiro do parque ou seguiam sempre um na frente e o outro atrás em busca de espaços mais reservados como motéis ou residências próprias. Os boys de programa também sempre frequentaram o parque e junto com as prostitutas, cada um a seu modo, aguardavam ou abordavam os clientes. Os boys, normalmente perambulavam pelas ruas mais arborizadas até encontrarem espaços menos movimentados onde fingiam urinar para exibirem seus pênis. Era um sinal para que alguém interessado se aproximasse e a negociação pudesse se realizar. Nos dias atuais, os códigos e sinalizações assumiram um caráter mais sofisticado, ou talvez mais discreto, e as pegações passaram a se dar na pista de Cooper que se estende por toda a extensão do parque. E também na área reservada aos equipamentos de ginástica, onde corpos suados e malhados são constantemente exibidos através de performances que salientam as musculaturas e evidenciam a potência e suposta virilidade dos machos que buscam outros homens para se relacionarem sexualmente. Contudo, como em quase todos os lugares de socialização gay, os códigos gestuais parecem cumprir sua principal função, invisibilizar socialmente as identidades individuais. Mas em outro registro de Albuquerque Jr e Ceballos (2004), as pegações em espaços públicos são descritas como práticas corriqueiras que atravessaram décadas e se consolidaram como característica da sexualidade recifense. Tanto que “para quem gosta de pegação de rua, não há nada como a famosa Rua Nova e suas transversais, da Palma e do Sol. Há de tudo, desde travestis bíblicos, passando por tudo que há no meio, até os midinight-cowboys, que geralmente não dispensam o assalto após a ‘operação’”.

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