quinta-feira, 19 de maio de 2011

HISTÓRIAS DO RECIFE 3ª parte – Por Epitácio Nunes*

A ETERNA LUTA PELA DEFINIÇÃO DE TERRITÓRIOS.

Já entre os bares mais famosos, onde também era possível se perceber tanto emergência da prostituição masculina, quanto a prática da pegação homossexual, que aconteciam mais frequentemente nos banheiros, o “Bar Nova Portuguesa”, localizado na Avenida Dantas Barreto; o antigo “Bar Savoy” e “O Botiginha”, ambos na Avenida Guararapes; exemplificam a expansão territorial da comunidade gay. Em alguns lugares, como por exemplo, o conhecido “beco do mijo”, localizado na Rua Siqueira Campos (até hoje reconhecido como espaço gay), os prazeres às vezes chegavam as “via de fato”. Neste sentido pode-se entender a ocorrência de práticas sexuais que incluíam sexo oral e sexo anal entre homens. Ali, as batidas policiais apesar de frequentes, não eram suficientes para banir ou mesmo afugentar os frequentadores noturnos. Até porque, como exemplo da Rua da Concórdia (citado no capitulo sobre a prostituição das travestis), era comum a interação dos fardados com alguns frequentadores ou visitantes do beco. Porém acredito que o período de maior expansão entre os empreendimentos comerciais voltados ao público gay foi marcado pelo surgimento da Thermas Recife, primeira sauna da cidade, localizada na Avenida Mário Melo; bem como pela inauguração da Misty, primeira boate a empregar o conceito GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Esta, voltada à classe média alta, rompeu conceitos e padrões sociais da época, abrindo espaço às relações de gênero mais igualitárias, onde a azaração e sexo sem compromisso não se restringia mais ao mundo masculino. As mulheres agora levantavam as bandeiras da liberdade sexual e econômica, partindo para cima de seus objetos de desejos e assumindo definitivamente a iniciativa quanto a paquera e o assédio. Neste sentido, um bom exemplo de como o social tende a encontrar formas de ajustar novos conceitos, redimensionando e reformulando seus significados de acordo com as exigências de determinadas épocas, relaciona-se a meu ver, ao fato do conceito “azaração” ter se transformado numa tendência que foi ressignificada entre os jovens do novo século em “ficar”. Essa necessidade de mudanças e flexibilidades nas condutas e comportamentos da sociedade, que marcaram as duas últimas décadas do século passado foi determinante para a consolidação de um comércio específico, destinado a um público multifacetado em estilos e ávido por novidades. A comunidade gay de certa forma estabeleceu e estabelece regras de funcionamento para o mercado, ao qual impõe características vinculadas a uma ideologia acromática quanto as nuances e formas de vida, que se pautadas numa irreverência e fluidez comportamental mostra-se capaz de provocar um redimensionamento geográfico constante e ininterrupto no centro da cidade. Talvez, na compreensão dessa nova tendência mercadológica a boate no inicio da década de noventa tenha se tornado ícone gay, que atravessando gerações adotou um processo de metamorfose identificado com seu público. Assim, as mudanças constantes na decoração e estruturação interna, incluindo a realocações dos bares, salas vips, pick-ups e áreas de socialização, bem como a criação de novos subespaços, davam ao estabelecimento um ar camaleônico capaz de seduzir e atrair públicos das mais distintas camadas sociais. Essa característica também se evidenciava ao público através das mudanças constantes nas tonalidades de cores de suas paredes externas e fachadas, que mostrando flexibilidade também na construção e definição de sua própria identidade. A casa mudou de conceito e nome várias vezes, sendo chamada anteriormente como “Doctor Freud”, “Alcatraz”, até finalmente se estabelecer como “Metrópole” em meados dos anos 2000, e demarcar definitivamente a ideologia da livre expressão sexual simbolizada na bandeira do arco-íris hasteada na entrada. Mas na contramão de uma identidade homossexual burguesa, o “Mangueirão”, boate menos glamorosa e mais antiga, localizada na época a Rua Bernardo Guimarães, era reconhecida como espaço gay alternativo comumente frequentado por estudantes, membros e simpatizantes de movimentos sociais, políticos de esquerda, artísticas de todos os seguimentos e mais uma grande variedade de gays. Estes, vindos em sua maioria dos bairros populares e municípios circunvizinhos, eram rotulados pejorativamente como “bichinhas suburbanas”. O Mangueirão acolhia a um público mais receptivo e “cabeça” ao passo que representava a própria irreverência, personificada nas “bichinhas afeminadas”, boys de programas e travestis que participavam de concursos no melhor estilo Miss Gay, ou ainda de performances artísticas que envolviam coreografias de danças, declamações de poesias e dublagens. O local servia também como escoadouro para um estilo de arte marginal onde o teatro encontrava espaço para experimentar uma linguagem menos erudita, pela qual explicitava a cultura sexual popular através de personagens comuns do mundo gay, envolvidos sempre em situações corriqueiras onde o erotismo e o sexual se misturavam com o simples propósito de fazer rir. Alguns espetáculos satíricos do circuito oficial e profissional do teatro pernambucano, tais como, “A Louca dos Jardins” e “A Assembléia das Deusas”, chegaram mesmo a cumprir temporadas, em horários alternativos que se davam após a meia-noite. Porém, talvez a grande contribuição deixada pelo Mangueirão, que encerrou as atividades no final dos anos noventa, tenha sido a evidenciação e divulgação das mais variadas formas de expressão sexual, como também a confirmação e reafirmação da multiplicidade de categoriais identitárias da comunidade gay. Neste sentido, as duas casas – a Misty e o Mangueirão - principais opções da época aos homossexuais, contribuíram de forma decisiva, cada uma a seu modo, estilo e ideologia, para o estabelecimento definitivo de uma identidade própria dos gays recifenses. Posteriormente surgiram outras boates e casas noturnas, tais como a “Dyaguilaif” (será que era assim que se escrevia?), na Rua das Ninfas; o “Bela Bar Tok”, na Rua do Progresso; o “Comida Caseira”, que funcionava como restaurante durante o dia e a noite se transformava em boate, localizado a Rua José de Alencar; o “Taberna Gaúcha”, na Avenida Mário Melo; e o “Etc & Tal”, na Avenida Dantas Barreto. Estes empreendimentos, apesar do pouco tempo de existência parecem ter despertado a atenção do empresariado local para a necessidade de um maior investimento no quesito entretenimento e diversão gay na cidade. Tanto que nos dias atuais os novos espaços ou empreendimentos se multiplicam e se diversificam alterando e recriando a cada dia um novo cenário urbanístico para o centro de Recife.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...